Mourinho: 'Não estou a ver em Portugal quem mereça uma estátua'
José Mourinho despiu o fato de treinador e abriu o coração ao Correio da Manhã. Fala de tudo, abertamente, sem rodeios nem papas na língua. De Portugal, da família, do mundo que o rodeia, dos sonhos que alimenta, das rotinas do seu dia-a-dia
Correio da Manhã – Foi para Madrid ganhar 10 milhões por ano. Como é que aplica o seu dinheiro?
José Mourinho – Respeito quem tem pouco. Entendo que quem tem muito deve dar-lhe o devido valor e utilizá-lo de maneira positiva, sem chocar.
– Qual a pior compra que fez?
– Costumo dizer que os carros são más compras por se desvalorizarem à velocidade da luz. Mas como é um bem de consumo importante, não digo que é mau investimento. Comprar uma casa pensando que é um condomínio privado e depois vir a perceber que não é assim é pior e dá--me dores de cabeça.
– Quanto paga de telemóvel por mês?
– É o Real Madrid que paga. Posso dizer que são gastos modestos. Só falo ao telemóvel com a minha mulher e os meus filhos. Com as outras pessoas comunico por SMS. Como a minha família só está longe em Agosto, o clube gasta pouco.
– É muito assediado por políticos. Como é que gere isso?
– Sou assediado, mas não directamente. Tenho uma equipa a gerir esses assuntos. As pessoas que trabalham comigo sabem que não estou virado para a política. A mim é-me difícil separar a política dos políticos, logo as tentativas de aproximação são infrutíferas. É um mundo com o qual
não tenho nem quero ter relação.
– O que o preocupa mais: o aquecimento global ou o Barça?
– O aquecimento global. Tenho filhos e, se Deus quiser, vou ter netos e bisnetos neste frágil planeta. O Barça é ameaça duas vezes por ano.
– Gostava de que lhe fizessem uma estátua em Portugal?
– Não quero virar estátua. Para quê? As estátuas são história, e quem merece a história é quem marca o rumo e a progresso real do País. Sinceramente, neste momento não vejo quem mereça uma estátua em Portugal. Temos uma história tão rica e personagens marcantes que é difícil não entrar em comparações. Pela negativa, abundam exemplos, mas esses não merecem estátua. Em áreas como a minha não faz sentido.
– Mas sente-se uma bandeira do País?
– Para o Mundo, Portugal é Ronaldo, Portugal é Mourinho. Ponto final. A seu tempo, era Eusébio e Amália e Luís Figo. Temos portugueses brilhantes em áreas mais importantes que o futebol. Como o Mundo é daltónico, não conseguem a notoriedade que merecem. A popularidade não somos nós que a merecemos, é o futebol que a proporciona. O futebol é a linguagem mais falada no Mundo.
– André Villas-Boas aplica os seus métodos de trabalho. Vai oferecer--lhe um sobretudo?
– Não.
– Se jogasse no Euromilhões, em quem apostaria para ganhar a Liga portuguesa?
– Não apostaria. Não gosto de aplicar mal o meu dinheiro. O jogo e as apostas são exemplo flagrante. Não sou de casinos nem de totolotos.
– Quem gostava que ganhasse?
– O meu Vitória de Setúbal, mas é impossível. A segunda escolha é ver o Sp. Braga campeão. Parece difícil, não impossível. De resto, que ganhe o que mereça. É-me indiferente.
– Esperava um Sp. Braga tão forte na Champions?
– Sabia que o Domingos estava a fazer um trabalho excelente, sabia que dificilmente perdiam um jogo. Mas o valor e os pergaminhos do Sevilha deixavam-me com dúvidas quanto à qualificação. Vi o primeiro jogo e mereceram ganhar, vi a primeira parte do segundo jogo e jogaram ainda melhor. Fiquei rendido e feliz.
– Há adeptos que vão ao estádio só para o ver.
– O meu perfil gera empatias nos adeptos e ódios viscerais nos não adeptos. Sou um tipo de personagem que chega, veste a camisola para dar tudo, não pensa em si próprio, não pensa na protecção da sua imagem, não pensa em mais nada que não seja o sucesso do clube, por isso se mete em situações polémicas para o defender. Os adeptos revêem-se nisso.
"COMECEI A GANHAR 40 CONTOS POR MÊS"
– Manchester United e Selecção são sonhos por realizar?
– O Manchester não. Treinar em Inglaterra, sim. Não conto ficar em Madrid 20 anos e para Itália não me vejo a voltar. Quanto à Selecção, se fosse sonho já o teria realizado há algum tempo. Afloraram essa ideia e eu disse não era o timing certo. Vejo-me à frente da Selecção daqui a 20 anos. Se for a título provisório, e para preparar um Europeu ou um Mundial, algo que não me obrigue a ficar muito tempo, só preciso de mais uns anitos.
– Falha os festejos dos títulos. Porquê?
– Não gosto de perder tempo e começo a pensar nos próximos.
– Lembra-se do seu primeiro salário?
– Ganhava 200 euros, na altura eram 40 contos. Dava aulas de Educação Física, em horários incompletos, para substituir outros.