Por: Giovanni Licciardello
Meu caro José Mário
Ao lembrar-me de ti, vem-me à memória a nossa infância e adolescência onde jogávamos à bola em todos os locais possíveis. No campo em Montalvão ao pé do ACM, nas traseiras de Praça do Brasil, no Bairro do Liceu, ou em locais baldios diversos, abundantes na cidade de então, e mais tarde, nos pavilhões da Secil e da escola Luísa Todi, todas as semanas.
Uma das boas recordações que tenho de ti foi quando em 1982, no Mundial de Espanha, a Itália sagrou-se campeã do Mundo ao derrotar a Alemanha por 3-1, e tu apareceste em minha casa, na companhia de um amigo comum, o João Cabral, para me darem os parabéns.
Eu nestas coisas de selecção já se sabe: Portugal sempre em primeiro lugar. Se Portugal ficar pelo caminho, então que seja a Itália.
Tínhamos todos em comum a paixão do futebol. A tua paixão já era diferente: era mais intensa, mais orgânica, quase como se constituísse uma obsessão.
Respiravas já nessa altura, futebol por todos os poros.
Éramos todos, os miúdos, vitorianos. Víamos e ouvíamos com atenção, na televisão, na rádio e nos jornais, os jogos e as notícias que se relacionavam com o teu Pai, ídolo comum de infância de todos os miúdos. Olhávamos para ti e para a tua irmã com admiração: ter um Pai guarda-redes devia ser uma coisa mágica, fascinante, inultrapassável.
José Manuel Mourinho Félix foi um dos mais importantes, notáveis, prestigiados e categorizados guarda-redes do seu tempo. A sua grande qualidade técnica, elevada concentração, dentro e fora dos postes, a forma ágil e felina com que interceptava cruzamentos, remates de longa, meia e curta distância, a coragem e afinco com que se atirava aos pés de um Eusébio, Coluna, José Torres, Simões, José Augusto, e muitos outros, defendendo muitas vezes com determinação, vitórias que valiam ouro.
Com o teu Pai na baliza, o Vitória conquistou o seu primeiro troféu oficial, a 1ª Taça de Portugal, vencendo o Benfica por 3-1, em 1965, e que também viria a ser o seu primeiro título oficial, como jogador.
Teu Pai, após uma carreira brilhante passada no Vitória e no Belenenses, ingressou na carreira de treinador, tendo efectuado um trajecto bastante competente e digno.
Mais tarde foi secretário técnico do Vitória, tendo sido afastado de forma abrupta, agreste, insultuosa e desrespeitosa.
Meu caro José Mário, compreendo a sua, e a tua mágoa para com o Vitória.
Peço-te, contudo, que não confundas a parte, com o todo.
Não serão meia dúzia de idiotas que têm estado muitas vezes presentes, que não deveriam estar, e que cometeram estas asneiras, que deslustram a instituição centenária que é o Vitória Futebol Clube.
Nem sequer foi uma questão pessoal para com o teu Pai.
É uma estupidez aquilo que têm feito com algumas das figuras mais importantes, emblemáticas e representativas do Vitória, e que têm sido sucessivamente maltratadas, desrespeitadas e vilipendiadas.
Iremos ver isso, e outras ocorrências para a semana.
Fonte : Jornal Setubalense -- > http://www.osetubalense.pt/index.asp?idEdicao=646&id=21906&idSeccao=4762&Action=noticia